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Comportamento & Reflexões

Simpatia e Pão de Queijo

Uma das coisas mais difíceis de abrir mão quando decidi emagrecer foi a padaria. Quando me mudei de apartamento fiquei perto de uma padaria que tem valor sentimental pra mim, pois quando criança eu tinha que passar por ela para ir para a escola e, enquanto todos os meus amigos tinham dinheiro para comprar algum lanche, eu ficava apenas olhando e desejando muito.

Chorava no banheiro imaginando o dia em que eu poderia comprar um doce naquela padaria. Imaginava o gosto das coisas… e isso só piorava quando os coleguinhas da escola ficavam esfregando salgados cheios de recheio no meu nariz.

Anos depois cá estava eu, morando pertinho daquela padaria, sendo que para ir para a faculdade eu novamente teria que passar por ela, mas agora era diferente: Eu tinha meu próprio dinheiro.

Não deu outra: Engordei mais de 10 kg. Sempre fui simpática e falante, então fiz amizade com o dono e todos os funcionários. Todo mundo sabia quantos gramas de pão de queijo eu pedia, que chá eu gostava de tomar e me avisavam se tinha o bolo de brigadeiro que eu amava.

Ah, aquele carinho todo me acolhia. O carinho e a comida, claro. Eu não queria sair dali, queria ir ali todos os dias da minha vida, queria viver de pão de queijo e todinho. Eu estava feliz.

Até que eu fiquei doente.

Fui para a emergência com a vesícula e o pâncreas inchados, glicose alta e pressão estourando. Tive dificuldade para deitar na maca para o médico me examinar. Deitar e sentar era um sacrifício. Ele disse umas palavras duras, mas que fizeram toda a diferença. Saí de lá com os braços roxos por conta dos exames e agulhadas, mas a certeza de que dessa vez eu tomaria juízo e mudaria de vida.

Ah se fosse fácil assim. Na primeira semana eu ainda sentia dor e medo dela piorar, então segui a dieta de doente que o médico me passou sem nem olhar o que mais tinha nos armários. Depois dessa semana emagreci muito e fiquei motivada, passei a não consumir carboidratos e doces e senti que conseguiria emagrecer tudo que precisava bem rápido.

Aí voltaram as aulas e para chegar na faculdade eu tive que passar pela padaria.

E eu entrei.

Ah como meu coração doeu naquela noite. Na época eu ainda me corroía em culpa e ódio de mim mesma quando essas coisas aconteciam, então fiquei me xingando sem dó. O problema é que no dia seguinte eu fiz o mesmo. E no dia seguinte. E no dia seguinte.

Eu sentia mais falta das pessoas do que do pão de queijo. Eu passava pela frente e todo mundo acenava pra mim. Eu era a gordinha simpática, amiga de todo mundo. Ah, que fofo. Mas na real eu estava me acabando. Com 21 anos andar duas quadras de casa até a faculdade era uma tortura. Meus pés doíam, as roupas apertavam e eu sempre era a mais gorda da sala.

A dor voltou e acendeu o alerta: Ou eu mudo ou eu morro. Meu corpo já não estava mais aguentando. Eu já não estava mais aguentando. Meus pais já não sabiam mais o que fazer, pois no caminho em que eu estava só restava a certeza de que eu morreria antes deles. Eles choravam, os parentes comentavam, era um sofrimento imenso para todos, principalmente para mim.

Vi que já que eu não conseguia vencer a vontade de entrar na padaria, seria melhor seguir a regra: <strong>O que os olhos não veem, o coração não sente.</strong>

Assim passei fazer a uma volta para chegar na faculdade, só pra não passar pela padaria. Quando estava atrasada colocava uma música animada, fones de ouvido e seguia em linha reta, sem me permitir olhar para os lados. Posso ter passado por antipática algumas vezes, mas infelizmente foi essa a forma que encontrei de vencer aquilo.

O que era rotina foi se enfraquecendo, e com as semanas a vontade de entrar na padaria foi passando. Passei a conseguir passar na frente, dar tchau pra todo mundo e seguir. Ah Senhor, que vitória, só eu sei.

Porém esses dias algo mudou. Não sei se foi o frio, a falta de wi fi na faculdade ou a vontade de assistir novela com chá, mas voltei á padaria.

Ah quanto amor. Todo mundo perguntando de mim e do meu irmão, ex frequentadores assíduos do buffet de massas. Me serviram pão de queijo quentinho, chá morninho, me chamaram de amorzinho.

Ah meu Deus, pra quê.

Lá fui eu uma semana inteira bater na padaria.

No final de semana via-se a diferença. A calça, que antes estava frouxa, começou a apertar. As blusas que já não marcavam a barriga, mostravam o resultado da minha displicência.

Ah meu Pai, que dor no coração. Que sensação horrível. Que queda brusca.

Nem me pesei. Não é fraqueza, é auto conhecimento. Se fizesse isso poderia me desesperar, ou pior, achar que dá pra chegar aos 95 kg e depois voltar pros 90 kg. Foi assim que cheguei aos 100 kg. Estava com 60 kg e pensava que nos 70 kg eu emagreceria. Com 70 kg pensava o mesmo dos 80 kg. Com 90 kg pensei ” quando eu tiver 100 kg terei vergonha na cara, mas ah, isso nunca vai acontecer “. E lá fui pros 120 kg. Ah não, dessa vez não.

E lá fui eu com fone de ouvido pra aula essa semana, olhando só pra frente. E lá fui eu repetindo ” só hoje eu não vou entrar aí. Só hoje eu não foi entrar aí ” enquanto passava pela calçada da bendita.

O problema não é a padaria, sou eu.

Eu preciso parar de querer preencher meus vazios com comida. Com carinhos e simpatias.

Preciso preenche-los com o que falta em mim, pois hoje em dia sou um oceano com um buraco negro. Há muito de tudo em mim, mas há algo de errado. Preciso preencher a mim mesma com tudo que me falta. Com equilíbrio, com sensatez. Preciso assumir que preciso viver em vigilância.

Ah, e como isso dói.

Não me sinto uma pessoa normal, mas eu sou. Eu tenho problemas e pontos fracos como todo mundo, mas parece que quando o ponto fraco é a comida e isso resulta em banhas e estrias tudo muda. Parece que será sempre assim. Tenho marcas em mim que me lembram de cada vez que perdi o controle. Os quilos a mais, as estrias. Bate um desespero. Não quero viver em luta eterna. E o pior é que a luta não é contra a comida. É contra mim mesma.

As vezes acho que sou a pessoa mais sozinha do mundo, pois apesar de estar rodeada de pessoas fisicamente e virtualmente, há um vazio dentro de mim que remete á comida a todo momento. Ela me preenche, me alivia, me aconchega… Ela não me faz perguntas e me leva a lugares bons, como a padaria, como o bistrô da esquina, como a pizzaria onde o dono também me conhece. As pessoas me chamam pelo nome, sorriem pra mim e eu sempre saio com vontade de dormir a noite toda, pois me sinto completa.

Até quando, meu Deus?

E cá estou eu, mais uma vez e novamente me doutrinando a não cair em tentação, a não fazer da comida um abraço, a não achar que ela resolve problemas ou diz “eu te amo”.

Eu não preciso ouvir isso. Não preciso de um abraço. Não preciso que ninguém resolva meus problemas. Preciso ser forte, preciso agir como adulta, preciso entender que haverão consequências para os meus atos. Preciso ser forte, preciso focar, preciso seguir a dieta. Preciso ser forte, preciso emagrecer, é para a minha saúde, é para a minha auto estima.

É pra mim e por mim. Só vai me fazer bem. A dieta me faz bem, eu gosto da comida, me sinto bem disposta, emagreço. Preciso ser forte e entender que um dia de dieta não vale, precisa ser um mês, seis, nove, um ano. Preciso entender que não preciso de padaria, pão de queijo nem bolo.

Eu preciso emagrecer.

Eu preciso vencer.

Preciso ser forte.

E serei.

6 comentários

 

 

  • regina estela barbosa

    Barbara nao e so voce q passa por isso amiga, amo bolo e outras coisinhas mas desistir jamais de chegar ao objetivo, sete meses de dieta e de 85 para 67 ainda faltam seis quilos e depois manter, tiro um dia para comer meu bolinho por ninquem e de ferro. (gargalhada) beijos

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  • Daniela Cavalcante

    Bárbara, sei o quanto é difícil ter que passar em um lugar e se controlar para não entrar e comprar besteiras, mas não desista, continue a sua jornada, pois você é forte. Infelizmente eu ainda não consigo fazer dietas à risca, ainda é Mt difícil para mim, mas não irei desistir. Nunca se esqueça que você tem pessoas que mesmo sendo pela internet te amam e querem o teu bem, você nunca estará só, nós estamos aqui com você. Seja forte Barbara, você é demais! ❤️

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  • Karina

    Barbara
    Entendo tudo o que escreveu, a dor que esta por trás de cada palavra que escreveu….
    É como se em algum momentos olhássemos para dentro de nós e nos perguntássemos
    ” Onde fui que eu me perdi? Em algum momento preciso me reencontrar…onde eu me deixei…”
    Hoje você está se reencontrando, você está enchendo a sua alma de cuidado, de amor de esperança !
    Você está sendo forte! E mostrando para muita gente que é possível, mesmo quando a vida não se mostra favorável.Você está aberta para o novo e superando os seus limites.
    Você não está sentada no sofá, esperando a vida passar.VOCÊ ESTÁ VIVENDO.

    Parabéns por compartilhar a sua luta com todos nós.
    Você é forte!

    Beijão

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  • JÉSSICA DEGASPARI MINGATI BROIO

    Caramba, como não tinha lido esse texto antes? (triste)
    Acho que ele tava reservadinho pra esse momento mesmo…
    Ao mesmo tempo que vibro com minha perda de peso, minha mente não se desliga do que estou DEIXANDO de comer, implorando por tudo aquilo que nunca me fez bem.
    Não estou conseguindo lidar muito bem com isso e me sinto uma pessoa doente. Não precisa ser assim…
    Quando uma pessoa normal compra um chocolate, paga e depois come com toda a tranquilidade.
    Quando EU compro um chocolate, começo a comer antes de pagar e termino com ele em 1 minuto.
    Isso não é normal, e vou lutar sempre para conseguir DOMINAR minha mente e não ser dominada.

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    • Bárbara Cavalcante

      Também vivi assim muito tempo Jeh, dizendo pra mim mesma que isso tudo precisava valer a pena, afinal eu estava deixando de fazer muita coisa que gostava. O problema é que eu ficava planejando voltar a fazer tudo que eu fazia antes de engordar logo que emagrecesse. Por isso sempre vivi o efeito sanfona, pela falta da reeducação alimentar. Estou tentando mudar isso… tentando mesmo.

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  • Isabela

    Oi, Barbara, quem não precisa de abraço, amor, apoio, proteção, descanço? O que a gente não aprende é que se não encontrar isso na primeira pessoa, vc não terá e tem que se conformar. Encotrar as pessoas que podem nos ajudar a atender nossas necessidades é um trabalho pra todos nós, os mais felizes só aprendem isso antes, entende? Aprender a achar as portas abertas e a escolher pela qual quer entrar, se dar tempo pra descobrir se pode confiar e ai sim poder se abrir, ao invés de na hora do desespero sair pelo mundo confiando em todo mundo até que alguém te use ou machuque. Recomendo o livro Comunicação Não Violenta, que fala sobre necessidades humanas, bem interessante pra somar com o tema levantado. Beijo

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